TEMA PARA A HISTÓRIA DA NOSSA TERRA.

                                                                                                         Dr. Celso Leal

Tijucas e o primeiro vôo sobre Santa Catarina - Parte I

Em razão das crônicas publicadas no Jornal de Tijucas fui procurado pelo Engenheiro Carlos Eduardo Porto. Ele reside em Florianópolis. Aposentado, é Aeromodelista desde os oito anos de idade e um estudioso da história da Aviação em Santa Catarina. Fez uma réplica do Breguet 14, utilizado por Saint Exupery. Atualmente está envolvido na construção do Macchi 9, de fabricação italiana, que voou em Santa Catarina em 1920. Envolvido pelas passagens históricas, chegou ao vôo mais antigo sobre o Estado de Santa Catarina, o do Aeroplano, um SVA de 220 HP, dirigido por Locatelli, que diziam fez pouso forçado em Tijucas. Repassei-lhe as informações constantes nas obras de Abdala, Barentim e Campos. Todavia, buscando confirmar em detalhes a realidade de então, efetuei pesquisa e compartilho as seguintes informações: “O raid aéreo ao Rio. O PILOTO LOCATELLI FOI OBRIGADO A INTERROMPER A SUA VIAGEM. No dia 16 do corrente há uma hora da tarde, tivemos a satisfação de apreciar várias evoluções que o arrojado aviador Locatelli fez em seu aeroplano nas immediações desta villa. As 4 horas da tarde recebemos notícias que as evoluções feitas pelo aviador foi procurando local para aterrar porque notou que se havia afrouxado uma bugia e que um dos cylindros do motor estava funcionando mal, perdendo com isso o aparelho a altitude. O tenente Locatelli retrocedeu para ir aterrar em um ponto ao norte de Tijucas, que na sua passagem se lhe descortinara como uma grande campina afim de fazer os reparos necessários e continuar o seu rali. Qual não foi a sua surpresa quando ao aterrar, em vez de campina encontrou um tirirical enorme em que se enterrou e virou o aparelho que ficou inutilizado, salvando-se apenas o motor. Os moradores da localidade correram com prestesa, a prestar todos os socorros ao aviador, que vendo desde logo a impossibilidade de continuar o seu raid, dirigiu-se a Tijucas de onde, se comunicou com a Capital. O benemérito Governador do estado, Exmo. Sr. Dr. Hercílio Luz, logo que teve conhecimento do lamentável desastre mandou em automóvel os senhores Joe Collaço e Capitão João Cancio, seu official de gabinete e ajudante de ordens, à Tijucas, afim de conduzirem a Capital o sr. Locatelli que foi recebido por membros da Colonia Italiana e por grande número de pessoas. Ao desembarcar o destemido aviador, o povo prorompera numa vibrante salva de palmas. O tenente Locatelli dirigiu-se então para o Palácio do Governo, onde foi recebido pelo Sr. Dr. Governador do Estado, Secretário do Interior e Justiça, altas authoridades e representantes da imprensa. Depois dos cumprimentos e de ligeira palestra o Tenente Locatelli, mostrou desejos de seguir naquelle dia no 'Anna' afim de tomar o 'Rei Vittorio' em Santos pois tinha de seguir para Itália para tomar parte no grande raid Roma-Tokio. O Exmo. Sr. Governador attendendo de prompto ao aviador solicitou dos srns. Secretário do Interior e Consul italiano airem em nome do governo, aos snrs. Hoepcke, Irmão e Cia, pedirem para que o 'Anna' seguisse diretamente a Santos. A empreza Hoepcke não podendo attender o pedido do governo quanto a ida do 'Anna' a Santos, visto já ter muita carga embarcada, poz, no entretanto a sua disposição o paquete 'Max' que seguiu directamente para Santos no dia 17, as 10 horas da manhã. O Tenente Locatelli é uma figura symphatica, e conta apenas 21 annos de idade. Foi um dos valentes aviadores que sob o mando do arrojado poeta Gabriel d'Annunzio, que acaba de entrar em Fiume, fez o raid sobre Vienna derramando os célebres boletins na Capital Austríaca e que tanto assombro causaram ao mundo. Locatelli cahiu prisioneiro dos austríacos onde esteve 20 dias, conseguindo fugir”. (O Intransigente - Orgão do Partido Republicano Catharinense - Domingo, 28 de setembro de 1919, número 59, Município de Camboriu) continua no próximo número.
 

 
 
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                                                                                                         Dr. Celso Leal

Tijucas e o primeiro vôo sobre Santa Catarina - Parte II

Conforme transcrito na edição anterior, em Tijucas foi interrompido o primeiro vôo aéreo sobre o Estado de Santa Catarina, o que é detalhadamente confirmado no relato do Jornal “O Municipio de Joinville”, de sábado, 20 de setembro de 1919, a saber: “O desastre do aviador Locatelli. Acaba de chegar notícias de Tijucas que o aparelho em que viajava o aviador Locatelli, devido a um desarranjo no motor, cahiu nos banhados, próximos àquella villa. O aparelho enterrou-se na lama soffrendo grandes avarias, sendo considerado perdido. Locatelli está desolado, vendo seu aparelho enterrado e a hélice partida. Felizmente o intrépido aviador nada soffreu, sendo socorrido promptamente pelos moradores das proximidades do desastre”. E mais, “Locatelli explica os incidentes de sua viagem e os motivos que o obrigaram a descer nos baixios de Tijucas: A sua partida de Canoas deixava prever que poderia alcançar Santos com sucesso, mas logo observou que a temperatura baixara extraordinariamente, fazendo frio de neve no alto. O vento sul o impellia favoravelmente, mas algumas rajadas obrigavam-no a fazer manobras fortes, o que concorreu para forçar o motor do seu aparelho, que ao atravessar Santa Catarina, rugia irregularmente, indicando o seu mao funccionamento. Ao dobrar para acompanhar a praia do golpho, sentiu que o motor cada vez funcionava peior e estando a grande altura, resolveu baixar vôo, acompanhando com muita attenção o andamento do motor. Descendo lentamente e avançando, viu que o motor ia parar e como a sua frente houvesse um grande terreno de campo, para ali dirigiu o apparelho, com o fim de aterrar com successo. Ao se aproximar da terra notou o seu equívoco pois estava em cima de um banhado, mas já não podia retroceder nem avançar mais. O apparelho então projectou-se no lamaçal, abrindo um grande sulco, espadanando o pantano e por fim se enterrando todo. As vellas do motor se espatifaram, as peças finas quebraram com o choque, a hélice dobrou e o aparelho estava perdido. Locatelli porém, não perdeu o sangue frio; saltou para o lado, sofrendo pequenas escoriações e com muito sacrifício poude sahir do banhado. De todos os lados appareceu gente em seu socorro, sendo conduzido dali à cavalo para a cidade de Tijucas, onde as autoridades o trataram com todo o carinho até que chegaram os representantes do governo para o trazer a Florianópolis”. Como se constata, de acordo com o Aremodelista Carlos Eduardo Porto, estamos “com a história do primeiro avião que voou em nosso Estado” e cuja interrupção deu-se em Tijucas. De outro lado, discutem se até hoje o SVA de 220 HP, dirigido por Locatelli, repousa, sepultado sob o lodaçal de Tijucas, Estado de Santa Catarina. Carlos Eduardo Porto deseja construir o avião de Locatelli “para materializar a nossa história, e repetir o vôo em Tijucas”, uma atividade relevante e de interesse geral. Se alguém tiver fotografias, desenhos e informações de como era pintado o referido avião ou puder comprovar mais detalhes sobre o fato, favor manter contato com o Jornal de Tijucas.
 

 
 
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                                                                                                         Dr. Celso Leal

Pragas sobre Tijucas? Introdução.

A expressão praga é muito perigosa. A praga poderá ser uma grande calamidade. Ou a soma de coisas indesejadas, inoportunas,além de ser o ato ou efeito de amaldiçoar, maldizer. No último sentido ela decorre do ódio, da cólera ou da aversão, retratando o solene anseio de coisas péssimas sobre alguém. Dizem que a praga existe e apenas contra pessoas. Em nossa terra, a tradição oral aponta ao mistério de “terem jogado praga sobre Tijucas”. Realmente, a reunião de alguns itens históricos demonstram que existiram motivos e possibilidades para algumas pragas. Ao menos em determinada circunstância, é de se acreditar que uma pessoa amaldiçoou outras por causa de delicada ocorrência. Um dia demonstraremos a questão. Por enquanto, reconhecemos que a interrupção do vôo de Locatelli em Tijucas deixou marcas não esclarecidas. Estranhamente, a comunidade apagou da memória os detalhes em torno daquele incidente. Existe algo duvidoso que fez o povo afastar-se do importante fato. Revendo anotações da época, encontramos alusões que vinculam a queda do aeroplano a um malefício, pois “já vae longe o dia, em que Locatelli, no mal succedido raid Buenos Ayres-Rio, despejou sobre Tijucas, um não sei o que, tão ruim, que a todos envolvem em aborrecimentos, desgostos...Dia a dia, chegam ao nosso conhecimento minucias, particularidades, factos que bem que de longe têm ainda ligações com aquelle acontecimento nacional”. Consta que por aqui, inspirada em Locatelli, uma criança fez um aviãozinho. Ao empina-lo, a peça voltou contra o infante, furando-lhe um dos olhos. Não encontramos fotos ou pedaços do aeroplano, mas pelo mencionado em órgão noticioso em 17 de janeiro de 1920, existiu um processo judicial envolvendo-o: “Foram submettidos a julgamento hontem perante jury correicional, os snrs. José Gallotti, Ovídio Gottardi e João Wollinger, accusados de terem damnificado o avião de Locatelli em tão má hora aterrado nos nossos paludes. O Tribunal ficou assim constituído: presidente Sr. Cap. Manoel Cruz; Jurados: Snrs. João Barthem Júnior, Gregório Caldas do Nascimento e Elias Bozano; Promotor Público, snr. Dr. Hildebrando Freire. Esteve encarregado da defeza o snr. Dr. Nereu Ramos, que veio a esta cidade especialmente contractado para esse fim. A sentença foi absolutória por unanimidade de votos. Abstemo-nos de fazer qualquer comentário sobre este tão desagradável acontecimento cujos procedentes tanto apaixonaram e dividiram a nossa opinião pública”. Os documentos foram perdidos. Quem poderia esclarecer já não existe. Em relação as pragas sobre Tijucas, voltaremos oportunamente.
 

 
                                                                 Tijucas, SC, 06 de julho de 2004.

Prezado Colega Carlos Eduardo Porto,

Atendendo em parte a sua solicitação, informo-lhe que:

1. Consta do livro "História de Tijucas - uma viagem no tempo", de autoria de Ademar Campos e Nacir Abdala (2003), nas paginas 117 e 118, a seguinte informação:
"O AEROPLANO. Outra do passado que chamou a atenção da população de Tijucas foi o aparecimento do primeiro aeroplano em 1919. Esta então foi um dilúvio. Sairam até versinhos - transcritos abaixo. Foi uma correria só vendo. Uma semana inteira de movimento em Tijucas. Naquele tempo se ouvia falar neste aparelho. Mas duvidava-se da sua existência. E quando menos se esperava, eis que apareceu o 'bichinho' nos céus de nossa cidade. Não sei explicar o que aconteceu, mas a verdade é que ele caiu num tirirical próximo a Santa Luzia. Veio gente de todos os cantos de nosso municipio só para acreditar mesmo, que o tal bichinho existia de fato. A seguir transcrevemos os versinhos escritos:
O tenente Locateli
De Buenos Aires zarpou
E às 11 horas do dia
Em nosso estado chegou.

Bem encima da matriz
O aeroplano fez parada
Verificando as planícies
E o seu campo de pousada.

Na cidade de Tijucas
Eu queria só que visse
O povo pedir a deus
Que o aeroplano caísse.

Deus parece que ouviu
Este pedido fatal
Fez cair o aeroplano
Dentro dum tirirical.

(Fonte: Jornal O Tijuquense - 65)"

2. De outro lado, no livro "Fatos e Fotos da História Tijuquense", de Ademar Campos e Leopoldo Barentim (1994), na pagina 121, encontra-se o seguinte: "PASSAGEM DO ZEPELIM EM TIJUCAS. Dia 1o de julho de 1934(Domingo). Neste dia, há 60 anos as 5 horas da manhã, passou em Tijucas, fazendo evoluções o GRAF ZEPELIM L Z - 127, vindo de volta de Buenos Aires. Todo o povo tijuquense vibrou com aplausos e fez reviver os acontecimentos quando caiu nas matas tijuquenses, o avião italiano denominado LOCATELI. Foram feitos versinhos e um deles dizia assim: 'Fulano e Fulana, era um caso interessante, queriam que o Zepelim, voltasse no mesmo instante'. Neste mesmo dia, à tarde, houve um jogo de futebol entre os Acadêmicos Catarinenses e o Sport Clube Tijucas, com a finalidade de angariar fundos para construir, na Faculdade de Direito em Florianópolis, um monumento, homenageando o tijuquense José Henrique Boiteux, falecido no ano de 1932. A vitória foi do Sport Clube com 2 gols de José Alves de Brito. À noite, no Cine Teatro, houve um espet´culo artístico musical, com apresentação dos acadêmicos catarinenses, a fim de obter fundos para o mesmo fim".

3. Informo-lhe que estarei ouvindo pessoas a respeito e buscarei possíveis detalhes na imprensa da época, voltando ao assunto com o senhor.

4. Fraternalmente, permaneço ao seu inteiro dispor.

Celso Leal da Veiga Júnior
Mestre em Ciência Jurídica
Coodenador do Curso de Direito da UNIVALI em Tijucas
celsolea@tj.univali.br
Fone 48 263 0576 - 48 263 0434
 
 
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